Na terça-feira, dia 5 de abril, encerrou o prazo da Lei Eleitoral para que prefeitos, governadores e presidente realizem reajuste salarial real a todas a todos os segmentos do funcionalismo, ou seja, acima das perdas inflacionárias. O texto determina que, até 180 dias do pleito, não podem ocorrer aumento linear real nos vencimentos, mas especialistas em Direito Eleitoral apontam que há formas de reajustar sem infringir a legislação.
O principal dispositivo legal, a Lei Eleitoral, de 1997, determina as diretrizes a serem seguidas por governantes e postulantes a cargos elegíveis para evitar o uso da máquina pública para fins eleitoreiros.
Na avaliação do presidente da comissão de Direito Eleitoral do Instituto de Advogados de São Paulo (IASP), Fernando Neisser, o texto não impede a recomposição linear das perdas inflacionárias, que poderia ser anunciada a qualquer momento da gestão, nem o reajuste acima da inflação a algumas categorias, mas não à totalidade do funcionalismo.
No caso dos garis e demais servidores municipais, que pleiteam a recomposição das perdas salariais desde fevereiro de 2019, data do último reajuste, o especialista avalia que não há qualquer impeditivo legal, já que não há aumento real. O mesmo vale para os servidores federais, em que o governo estuda aplicar reajuste linear de 5% a todas as categorias ainda neste ano.
No caso do prazo, no entanto, a Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000, define que os governantes não podem aplicar aumento de despesa com folha de pagamentos a menos de 180 dias do fim do mandato. Portanto, o presidente Jair Bolsonaro teria até 30 de junho para sancionar texto definindo o percentual do reajuste para 2022.
Neisser explica que o dispositivo foi criado para que não houvesse comprometimento do caixa do Executivo para o próximo ocupante do cargo.
O chefe do Executivo pode, no entanto, definir um espaço no orçamento para o ano seguinte à eleição — neste caso, 2023 — para que o novo governante possa aplicar reajuste real aos servidores. A quantia deve estar descrita na Lei de Diretrizes Orçamentárias, que monta o esqueleto do orçamento para o próximo ano, e na Lei Orçamentária Anual, que descreve o direcionamento da verba.
No caso federal, diante da possibilidade de eleição do ex-presidente Lula (PT), adversário de primeira ordem do presidente Bolsonaro, entidades do setor avaliam ser pouco provável que haja essa brecha orçamentária para o reajuste. Portanto, o tema pode voltar à discussão para o exercício financeiro de 2024.
Implicações para governantes
Além de definir regras e prazos para a aplicaçao de reajuste real nos salários, a legislação define as punições em caso de descumprimento. Quando há infração da Lei Eleitoral e o assunto for levado à Justiça Eleitoral, as penalidades vão de multas à cassação de um possível novo mandato, como aponta Neisser:
— Se for julgado até eleição, pode ser cassado diretamente. Caso tome posse, exerce o cargo durante o julgamento, a chapa é cassada e serão realizadas novas eleições. Se um governador apoia outra pessoa para a sucessão, como um secretário, o postulante não deu o aumento, mas se beneficiou da medida, e também pode ter a candidatura cassada.
A Lei da Inelegibilidade, de caráter mais interpretativo e também sob a jurisprudência da Justiça Eleitoral. Um trecho do texto determina que o postulante ou ocupante de cargo elegível pode ser enquadrado em crime de abuso de poder político ou econômico, e ainda dos meios de comunicação.
— Por exemplo, se tiver um governador que concede reajuste a algumas categorias, o que não infringe a Lei Eleitoral, mas pode ser enquadro pela Lei de Inelegibilidade como abuso de poder político, se usado em campanha ou for atestado efeito eleitoral direto — afirma Neisser.
Foto: EVARISTO SA/AFP / STF