Fonte: Rafael Neves
Do UOL, em Brasília
08/06/2022 04h00
Desde o início do atual governo, em 2019, a PRF (Polícia Rodoviária Federal) tem tomado medidas para afrouxar a fiscalização sobre grupos de interesse eleitoral de Jair Bolsonaro (PL). A pedido do presidente ou de aliados, a corporação retirou radares móveis das rodovias, reduziu a punição por transporte ilegal de armas nas estradas e discutiu fazer “vista grossa” a irregularidades cometidas por caminhoneiros.
As práticas da corporação têm sido examinadas por instituições como o Ministério Público desde a morte de Genivaldo dos Santos, de 38 anos, asfixiado por gás em uma viatura. Para agentes da PRF ouvidos pelo UOL, a ocorrência no Sergipe expôs uma transformação em andamento no órgão, que tem dedicado suas energias a operações como a que deixou mais de 20 mortos na Vila Cruzeiro (RJ), também em maio.
As mudanças na fiscalização promovidas pela PRF tiveram efeito limitado. As duas primeiras, sobre radares móveis e porte de armas nas rodovias, acabaram derrubadas pela Justiça. Já a terceira, que trata dos caminhoneiros, é investigada pelo Ministério Público. A primeira intervenção de Bolsonaro ocorreu em agosto de 2019, quando, por ordem do presidente, a PRF recolheu todos os radares móveis das rodovias. Os equipamentos foram reativados quatro meses depois, por força de uma decisão judicial, mas o uso deles está em queda: enquanto em 2019 foram registradas 41.610 horas de fiscalização com radares móveis, em 2021 foram 19.885 horas, menos da metade.
Segundo um agente da PRF afirmou ao UOL, sob anonimato, que na atual gestão Bolsonaro a cúpula da PRF tem dado menos atenção ao trabalho ordinário de policiamento de trânsito. O servidor diz que citou como um “exemplo visível” desse fato a redução das horas de operação dos radares portáteis de velocidade, que teria ocorrido sem qualquer amparo técnico, “por mera decisão pessoal do presidente”, Na opinião deste agente, a submissão política da corporação a Bolsonaro ficou exposta em uma das lives semanais do presidente, em outubro de 2019.
Na ocasião, o Bolsonaro defendeu o aumento do limite de pontos na carteira de habilitação e foi apoiado por Eduardo Aggio, à época assessor no Planalto e mais tarde nomeado diretor-geral da PRF. “A posição de aumentar [o limite de pontos na carteira] acaba trazendo algumas questões que, hoje, em alguns pontos, existe o desvirtuamento da punição para um caráter arrecadatório”, disse Aggio sobre as multas de trânsito. “Então, com as decisões que o senhor vem tomando, a gente tem uma desconstituição disso”, completou ele, ao lado de Bolsonaro.
Na avaliação do mesmo agente ouvido sob anonimato, a declaração de Aggio serviu para alimentar o discurso de “indústria da multa” repetido pelo presidente.
Aceno aos CACs
Outras medidas da PRF que buscavam favorecer caminhoneiros e portadores de armas tiveram alcance pontual.
Na primeira delas, em setembro de 2021, a corporação emitiu uma norma para aliviar a punição aos CACs (caçadores, atiradores esportivos e colecionadores), público que recebe atenção constante do governo.
Segundo a regra publicada pela PRF, o transporte ilegal dos armamentos passou a ser considerado uma “infração de natureza administrativa”, embora o Estatuto do Desarmamento trate a conduta como um crime inafiançável.
A medida, contudo, durou pouco mais de um mês, já que acabou suspensa pela Justiça em outubro.
A norma foi publicada dois dias depois que o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e um militante armamentista se reuniram com o diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques. O filho do presidente foi fazer uma queixa sobre uma abordagem feita pela PRF, em uma rodovia, a um atirador que dizia estar indo a um clube de tiro. A ocorrência havia sido transmitida pela TV Band e repercutiu nas redes sociais. Após o encontro, Eduardo anunciou no Facebook que “esclarecimentos foram feitos” pela PRF sobre aquela abordagem e que o órgão editaria um manual para orientar seus policiais sobre as regras vigentes. O UOL questionou a corporação sobre o assunto, mas não teve resposta.
Caminhões arqueados
Na mesma época em que Eduardo defendia a pauta dos CACs, a PRF via nascer um novo problema. Um caminhoneiro vinha divulgando vídeos de sucesso, nas redes sociais, em que o veículo rodava com a frente rebaixada e a traseira elevada.
A modificação, que é irregular, foi apelidada de “caminhão arqueado”. Em janeiro desse ano, ao ser questionada pelo UOL Carros, a PRF se declarou contra essa prática, que seria um “grave risco à segurança viária”.
Em fevereiro, contudo, veio à tona um áudio em que o então ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, afirmou a caminhoneiros que faria um “revogaço” de normas de fiscalização para “eliminar o que está enchendo o saco”,nas palavras do ministro. Ele prometeu que a PRF iria “dar um tempo nas fiscalizações desnecessárias”, como a do caminhão arqueado.
O caso foi parar no MPF-RJ (Ministério Público Federal do Rio de Janeiro), que abriu um inquérito para apurar a medida. Segundo informou o órgão ao UOL, uma denúncia anônima afirma que várias operações de fiscalização da PRF teriam sido canceladas após a orientação do ex-ministro, mas a alegação ainda está sendo investigada.
Em fevereiro, a PRF havia confirmado ao UOL Carros que havia um grupo de trabalho “que visa a atualização e modernização das normas de trânsito vigentes”, mas que o órgão cumpre a legislação em vigor. O UOL questionou a PRF sobre esta e as outras medidas citadas na reportagem, mas não houve resposta até a publicação do texto.